Quando a Estrada de Ferro Rio d'Ouro alcançou o vale do Iguaçu em 1883, estendendo seu ramal até o pé da serra do Tinguá, encontrou nessa região encimado em uma colina, um belo palacete engalanado por uma alameda de palmeiras que se dirigia em direção à “parada” desta ferrovia.
Construído por Bernardino José de Souza e Mello, casado com Cipriana Maria Soares de Mello, filha de Francisco José Soares, português, patriarca de numerosa família de iguaçuanos, destacou-se com seu prestígio, no panorama político e social da Vila, sendo eleito presidente da Câmara Municipal, durante cinco legislaturas a partir de 1837.
Em 1848, quando D. Pedro II fez uma visita a esta vila, teve "condigna acolhida" na residência do então tenente Francisco José Soares, ocasião em que o Imperador fez um donativo de "um conto de réis, para as obras do chafariz".
Bernardino, que sucedeu seu sogro nos negócios, demonstrou grande operosidade no comércio do café, e ampliou o patrimônio, construindo vários trapiches no porto, com a firma Soares & Mello.
O Porto dos Saveiros, localizado na parte mais larga do rio Iguaçu, permitia embarcações de até 40 toneladas, e concentrava o maior número de tropas que desciam a Estrada do Comércio, atravessando a Serra do Mar.
A história da Fazenda São Bernardino começa em 1862, quando Bernardino José de Souza e Mello adquire o sitio Bananal, “com benfeitorias e onze escravos” anexado mais tarde ao "Sítio do Cachimbau, então propriedade de Francisco José Soares, sogro de Bernardino, anteriormente também comprado por ele por três contos de réis".
Iniciada pouco depois dessa anexação, e terminada em 1875, a construção desse palacete foi efetuada sobre uma elevação, estendendo-se à sua frente em nível inferior uma alameda de palmeiras imperiais até uma parada da estrada de ferro com a denominação de São Bernardino.
Na entrada, uma escada dupla, protegida por gradil, era coberta por um pálio em folha de cobre e estrutura metálica. No beiral, as telhas de louça azul portuguesas, complementavam o visual.
As janelas, divididas em duas partes, mostravam-se ornamentadas com um rico desenho de vidraçaria colorida com flores de lótus. “À direita do compartimento”, diz o prof. Ney Alberto de Barros, “ficava o grande salão de música”. A capela interna da São Bernardino, ficava à esquerda, vizinha à "sala dos cachimbos". Ainda neste primeiro conjunto ficava a "Alcova Imperial" com enorme cama de metal, para a estadia de hóspedes ilustres.
Nas proximidades da capela, uma rica escadaria em jacarandá, ia encontrar-se com o "solárium", tendo sacadas defendidas por capeamento de chumbo, para evitar infiltrações. Continua o Prof. Ney Alberto, “na faixada lateral direita, havia uma porta que dava acesso a área de serviços, onde ficava o “armazém” (últimas janelas)”.
Nesse mesmo lado, ladeando um terreirão em nível mais baixo, viam-se cocheiras, garagens para charretes, senzalas, engenhos de açúcar, de aguardente e de farinha" Em 1965, o saudoso Waldick Pereira, Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Nova Iguaçu, durante uma visita à fazenda registrava: "algumas peças originais e outras da época da compra: mobiliário, fogão de ferro (ainda em uso), um espelho oval enorme e na sala principal, candelabros e peças da capela. Na senzala e nas construções do engenho, ainda existe uma bomba de vapor, peças de carruagem, ferragens, polias, tonéis, um carro de boi e móveis quebrados."
A CAPELA
Em 21 de janeiro de 1880, o comendador Bernardino de Souza e Mello encaminhou à diocese do Rio de Janeiro, um pedido de autorização para que fosse oficiado na capela da sede de sua fazenda o ofício do “Sacrifício da Santa Missa”, sob a alegação que a igreja mais próxima era a de N. Sra. da Piedade do Iguassú, em considerável distância para seus fregueses “gozarem dos ofícios e praticarem a religião Católica”.
O vigário desta Igreja, Antônio Teixeira dos Santos, recebeu da Diocese de Petrópolis, na pessoa de Dom Pedro Maria de Lacerda, um pedido para que visitasse a dita sede da fazenda, surgindo assim um relatório atestando afirmativamente a conveniência de ser ali praticado o Santo Ofício.
Segundo a descrição, o “oratório está em lugar separado de todo o uso profano...tendo a direita e a esquerda duas arcas, cada uma com dois gavetões onde se acham as alfaias e paramentos . Por detrás do altar, como se vê em muitas Igrejas, levanta-se um trono de três degraus, sobre o último dos quais está um nicho de portas de vidro, encerrando uma imagem de São Bernardino, obra perfeita de noventa centímetros de altura, tanto o altar como o trono estão ornadas de jarras de porcelana e de castiçais galvanizados de prata como usasse hoje em nossas Igrejas”.
Afirmando que não havia dormitório nem aposentos em torno do oratório, padre Antônio relata que os objetos sagrados compostos pelo “cálice e a paterna são de prata” e o altar é “fixo de pedra d’ara inteira”, dizendo ter este pertencido ao “oratório do Collégio Pinheiro, na Corte”.
Neste altar encontravam-se “toalhas alvas de purificar os dedos, ante et post missam de linho fino”. Quanto aos paramentos de Missa, refere-se à cinco cores existentes “branca, vermelha, roxa, verde e preta, todos elles no feitio e nos ornatos, conforme ao uso deste Paíz”. Registrando os demais complementos, anota: um “Senhor Crucificado, seis castiçais galvanizados, um terno de sacras, Missal Romano com a competente estante, campainha, um par de galhetas e manustérgio junto ao altar”.
No final do relatório, padre Antônio Teixeira registra uma curiosidade até então desconhecida, sobre a saúde de dona Cypriana Soares de Mello, e que tudo leva a crer seria portadora de epilepsia, pois o pároco chama atenção para os “incômodos chronicos” desta senhora, seguidos de “ataques nervosos com movimentos convulsivos e perda de sentidos”. Relatando que quando os espasmos aconteciam durante a missa, era motivo de “distração e sussurros da parte dos assistentes, perturbação do sacerdote e conseqüente interrupção dos actos religiosos”.
Deixando a decisão final para o “Bispo Capelão Mor, Dom Pedro Maria de Lacerda”, padre Antônio assina o relatório escrito em Iguassú e datado de 13 de março de 1880, julgando ter “cumprido as ordens V. Exª. em todos os pontos”.
VISITA A SEDE DA FAZENDA
O coronel Alberto de Mello, filho de Bernardino José de Souza e Mello, visitando a fazenda em 1967, a convite de Waldick Pereira e, segundo o Prof. Ney Alberto, identificou as seguintes dependências instaladas no plano inferior da fazenda, onde ficavam a casa do engenho e a senzala: cocheiras, "garagem" e guarda de arreios, carpintaria, ferraria, casa do feitor, senzalas, tulhas, etc.
Na casa do engenho ainda existia a máquina a vapor, a moenda, bases das engrenagens que movimentavam as polias, tudo cercado pelo madeirame de sustentação do telheiro, que abrigava também a casa de farinha, com seus instrumentos para a movimentação do moinho de fubá, da prensa de mandioca, um forno, tanques, etc.
Com a implantação da Estrada de Ferro D. Pedro II, inaugurada em 1858, e as febres palustres que passaram a dominar também esta região, o movimento comercial da Vila foi decrescendo, até acontecer a sua mudança como sede do município, para o arraial de Machambomba em 1891, à margem dessa estrada, futura Nova Iguaçu.
O Coronel Alberto de Mello, filho do Comendador, vendeu em 1917, a propriedade para Jácomo Gavazzi e seu sócio João Julião, com lavouras de cana e engenho em plena produção que geravam cerca de 2000 litros de aguardente anuais. Em meio a "febre" da laranja, tentarão a implantação da citricultura, tão rendosa na época, e se "iniciou violentos cortes na floresta existente nos grotões e às margens dos brejais. Para a passagem dos caminhões de lenha, acabou por sacrificar algumas palmeiras imperiais e "solapar as bases de pedra e cal da cocheira". Não obtendo porém, o retorno comercial esperado, "acabou por desistir da citricultura e providenciou o loteamento da área", ficando a lavoura e o casarão entregues ao saque e ao matagal.
Em 1940, durante o aniversário do Município, foi encaminhado ao Governo Federal, o pedido de "tombamento do conjunto arquitetônico da Fazenda São Bernardino", o que só aconteceu em 1951, até que em 1976, a Prefeitura de Nova Iguaçu ao desapropria-la, cometeu um crime contra a história do nosso Estado, deixando-a entregue a própria sorte, sujeita a continuação do saque e da depredação.
Na década de 1980, durante o "governo" Paulo Leone, um incêndio de origem misteriosa, arrasou o que restava deste importante acervo histórico de nossa região. Monumento vivo de uma das mais prósperas Vilas do Estado do Rio de Janeiro, hoje desaparecida, tendo apenas como referência, a torre sineira da Igreja de N. Sra. da Piedade, ainda se mantendo de pé graças aos esforços dos historiadores Ney Alberto de Barros, Waldick Pereira e Ruy Afrânio Peixoto que se cotizaram para concretar sua base.
Coberto pelo mato, o velho cemitério "dos escravos", resiste à ação do tempo, insensivelmente assistido pelos nossos "governantes" até que não reste mais nada, para mostrar-mos a geração vindoura.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
- BARROS, Ney Alberto Gonçalves de – “De Iguassú a Iguaçu”
1993 – RJ