Kathlen Romeu havia feito um ensaio fotográfico com o marido para anunciar a gestação de quatro meses. As fotos, publicadas no dia 2 de junho, alegraram parentes e amigos. Mas a violência armada do Rio de Janeiro é cruel: ela interrompe sonhos, planos e destrói famílias em formação. Kathlen foi morta no dia 8 de junho de 2021, atingida por um tiro de fuzil em uma ação policial no Complexo do Lins, na Zona Norte do Rio. Ela não foi exceção: três gestantes foram baleadas entre 2020 e 2022 no Grande Rio, média de uma gestante baleada a cada nove meses.
O Instituto Fogo Cruzado registrou, nos últimos 6 anos, 19 grávidas baleadas na Região Metropolitana do Rio: 9 delas morreram e 10 ficaram feridas. Não houve gestantes baleadas em 2022.
Das 19 gestantes baleadas, ao menos seis foram atingidas durante ações ou operações policiais. Para a diretora executiva do Instituto Fogo Cruzado, Cecília Olliveira, a política de segurança pública do Rio de Janeiro é ineficaz e desastrosa. “É lastimável que gestantes e seus filhos também sejam alvos da violência armada. Quantas vezes precisaremos afirmar e reafirmar que esses casos não são exceções?, diz Cecília.
“A família sofre com a perda de um ente querido e sofre também por nunca ver a justiça sendo feita. Isso alimenta a sensação de insegurança, e, claro, de injustiça. É como se a vida que se foi não importasse. A dor não passa. O ciclo não fecha”, completa Cecília.
No ano passado, houve uma morte de gestante no Grande Rio, a de Kathlen Romeu. Em 2020, duas grávidas foram baleadas, e felizmente sobreviveram. Já em 2019 foram registradas quatro gestantes baleadas na Grande Rio, sendo três mortas e uma ferida. Uma dessas vítimas foi Tainá Souza do Nascimento, de 23 anos, grávida de 6 meses. Ela e seu companheiro foram assassinados dentro de casa, na comunidade do Beira Mar, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. A jovem deixou três filhos.
Órfãos do feminicídio
Se nas ruas mulheres são alvos da violência cotidiana, em casa podem se tornar alvos de seus companheiros. A Região Metropolitana do Rio teve seis mulheres mortas por arma de fogo de janeiro a abril deste ano. Ao longo de 2021, outras 11 mulheres foram mortas por feminicídio, e cinco ficaram feridas em tentativas de feminicídio.
Desde que o Fogo Cruzado começou a mapear a Região Metropolitana do Rio, em 2016, 44 mulheres foram baleadas em casos de feminicídios ou tentativas de feminicídio: 34 morreram e 10 ficaram feridas.
Esse tipo de violência atinge diretamente as mulheres, mas também seus filhos. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o feminicídio deixou cerca de 2.300 órfãos no Brasil, em 2021. Afetando psicologicamente e economicamente crianças e jovens adultos, ao perderem suas mães, que muitas vezes eram chefes da família.
SOBRE O FOGO CRUZADO
O Fogo Cruzado é um Instituto que usa tecnologia para produzir e divulgar dados abertos e colaborativos sobre violência armada, fortalecendo a democracia através da transformação social e da preservação da vida.
Com uma metodologia própria e inovadora, o laboratório de dados da instituição produz mais de 20 indicadores inéditos sobre violência nas regiões metropolitanas do Rio, do Recife e, em breve, em mais cidades brasileiras.
Através de um aplicativo de celular, o Fogo Cruzado recebe e disponibiliza informações sobre tiroteios, checadas em tempo real, que estão no único banco de dados aberto sobre violência armada da América Latina, que pode ser acessado gratuitamente pela API do Instituto.