As discussões relacionadas à chamada “pejotização”, em que o trabalho passa a ser exercido por meio de um CNPJ em vez de carteira assinada, estão cada vez mais frequentes. A dúvida é se a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) pode estar chegando ao fim para dar lugar a alternativas como a prestação de serviço pelo MEI (Microempreendedor individual). Contudo, apesar desse debate, o Brasil registrou um aumento de 48,5% nos pedidos na Justiça pelo registro em carteira assinada entre 2022 e 2023.
Entre janeiro e setembro de 2024, o período mais recente disponível, há uma média de 1,4 mil processos novos todos os dias, totalizando 360 mil processos. É o que aponta o levantamento inédito obtido por meio da consolidação dos dados disponibilizados pela plataforma estatística B.I. (Business Intelligence) do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Nesse contexto, o Rio de Janeiro registrou 30,7 mil pedidos judiciais para reconhecimento do vínculo trabalhista durante o período, representando o ingresso de 112 novas ações por dia. Entre 2022 e 2023, o número de processos cresceu 50% no estado.
Já no cenário nacional, o estado de São Paulo é responsável pela maior parte das ações, com 115 mil ações, seguido de Minas Gerais, com 32 mil.
O menor índice foi apresentado pelo estado de Alagoas, que contabilizou 75 processos iniciados nesse mesmo intervalo, seguido pelo Acre, com 663 e Amapá, com 1,2 mil.
Todos os estados brasileiros, sem exceção, verificaram um crescimento expressivo no número de novas ações entre 2022 e 2023. As federações de Goiás, Paraíba e Mato Grosso, por exemplo, tiveram aumentos de 267%, 96% e 88%, respectivamente. O menor crescimento foi registrado no Pará, com 22,8% de aumento nos ajuizamentos.
Especialistas apontam que o aumento no número de empregados que buscam a Justiça para formalizar a relação de trabalho decorre do uso inadequado do contrato de prestação de serviço como forma de reduzir custos operacionais e encargos trabalhistas, uma prática cada vez mais comum entre as empresas.
De acordo com João Valença, advogado trabalhista do VLV Advogados, nesses casos, mesmo que o funcionário não esteja registrado, ele ainda pode reivindicar diversos direitos garantidos pela legislação trabalhista. "Por exemplo, o direito ao registro em sua Carteira de Trabalho, o pagamento do salário proporcional aos dias trabalhados, além de férias e 13º salário, que correspondem a 30 dias de férias a cada 12 meses de trabalho e ao pagamento adicional de 1/3", explica o advogado.
Além disso, o empregado também pode exigir na Justiça do Trabalho o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), o aviso prévio de 30 dias ou o pagamento proporcional. No caso de demissão, poderá pedir indenizações por danos materiais e morais, se houver prejuízos, e buscar seus benefícios do INSS.
Na visão do advogado trabalhista Antônio Carlos Souza de Carvalho, sócio do escritório Souza de Carvalho Sociedade de Advogados, havendo o descumprimento dos direitos, o funcionário pode recorrer à Justiça do Trabalho para regularizar sua situação e pedir o pagamento das verbas devidas.
Frente a essas situações, o advogado alerta os empregadores sobre os riscos. "A gente precisa olhar bem para esse tipo de conduta, porque os riscos dela são muito altos. Às vezes o empregador ou a empresa faz isso porque não entende as implicações de fazer um contrato de prestação de serviço, tratando o prestador de serviço como se fosse empregado. No final das contas, o vínculo de emprego pode ser reconhecido pela justiça, junto à condenação de pagamento de uma indenização severa, de valores bastante substanciais", pontua.
Qual a diferença entre os formatos?
A relação de trabalho regulamentada pelas normas da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) é caracterizada pela presença de pessoalidade, subordinação, não-eventualidade e onerosidade. Esses critérios consistem respectivamente no trabalho ser exercido apenas pela pessoa em questão; em seguir as ordens de uma chefia; deve haver alguma constância na frequência do trabalho; e no pagamento de um salário.
Por outro lado, para a advogada Amanda Paoleli, advogada trabalhista do escritório Calcini Advogados, na prestação de serviço como pessoa jurídica não há vínculo empregatício. “Nesse modelo, o profissional atuante como Pessoa Jurídica (PJ) é responsável pela emissão das notas fiscais e pelo recolhimento de seus próprios tributos e contribuições previdenciárias, sendo que a relação estabelecida entre a empresa e o PJ é regulamentada por um contrato de prestação de serviços, o qual define as obrigações e responsabilidades de ambas as partes, sem que sejam aplicáveis os direitos trabalhistas garantidos aos empregados sob o regime da CLT”, esclarece a especialista.
Esse modelo dá mais autonomia e flexibilidade ao profissional, “permitindo-lhe prestar serviços a diversas empresas simultaneamente, sem o caráter de subordinação típico de um vínculo empregatício”, finaliza a advogada.