A cannabis sativa já é conhecida por seu uso no tratamento de condições como Alzheimer, Parkinson, epilepsia, ansiedade, insônia, TEA, fibromialgia, câncer e dor crônica. No entanto, avanços científicos recentes têm explorado o uso de compostos como CBD, CNB e THCV, todos derivados da cannabis, no combate à obesidade. “A obesidade é uma doença crônica, progressiva e multifatorial, caracterizada por uma complexa inflamação neuroendócrino-metabólica. O tratamento exige uma abordagem multidisciplinar e o uso de canabinoides tem gerado resultados muito positivos”, explica João Carlos Caruso Silveira, pesquisador e médico da Associação Brasileira de Médicos com Expertise de Pós-Graduação (Abramepo).
Pesquisador nas áreas de Obesidade e Nutrição, o médico tem certificação pela WeCann Endocannabinoid Global Academy e publicou recentemente um artigo sobre novas perspectivas de tratamento para a obesidade. Ele destaca que o sistema endocanabinoide, presente em todos os mamíferos, desempenha um papel crucial na regulação de funções fisiológicas como apetite, metabolismo e armazenamento de gordura. “A interação dos canabinoides com o sistema endocanabinoide tem se mostrado promissora no tratamento da obesidade em várias frentes. No Brasil, esse tratamento é considerado off label, mas resolução do CFM permite o uso de canabinoides para tratamento de outras doenças”, comenta.
Caruso detalha que pesquisas recentes destacam o THCV (Tetrahidrocannabivarina) como um supressor do apetite eficaz, atuando como antagonista dos receptores CB1, frequentemente superativados em pessoas com obesidade, resultando na redução da fome e no aumento do gasto energético. “Várias substâncias presentes na cannabis são usadas no tratamento da obesidade. O CBD, além dos efeitos ansiolíticos, pode modular o sistema endocanabinoide, regulando o apetite e o metabolismo, e tem propriedades anti-inflamatórias, contribuindo para a melhora da saúde metabólica. Já o Canabinol auxilia na melhora do sono, contribuindo indiretamente para o controle do apetite e a regulação do peso”, explica.
Acesso legal
Caruso observa que, ao contrário do CBD, o THCV não é produzido em larga escala e deve ser importado com aprovação da Anvisa. “É um composto mais difícil de encontrar até mesmo no Exterior”, comenta. Apesar de todos os benefícios, o médico enfatiza que a cannabis não deve ser vista como uma solução única para a obesidade. “A complexidade do sistema endocanabinoide e a variabilidade individual exigem abordagens personalizadas, combinando o uso de canabinoides com outras intervenções, como terapias com incretinas, cirurgia bariátrica e mudanças no estilo de vida, incluindo dieta equilibrada, exercícios físicos regulares e suporte psicológico. A obesidade é um desafio complexo que exige uma abordagem multidisciplinar e individualizada, não existe uma fórmula pronta”, reforça.
Panorama atual
Em seu artigo, Caruso destaca a complexidade da obesidade, indo além da tradicional visão de desequilíbrio entre ingestão calórica e gasto energético, e revela os custos alarmantes da doença. A obesidade afeta mais de 2,3 bilhões de pessoas globalmente, tornando-se uma das maiores crises de saúde pública do século XXI. Suas consequências incluem doenças crônicas como diabetes tipo 2 e hipertensão, além de impactos socioeconômicos significativos. Projeções indicam que os gastos com saúde e a perda de produtividade relacionados à doença podem ultrapassar US$ 2,8 trilhões anualmente até 2030, considerando despesas médicas, perda de produtividade e morte prematura. “Esse fardo econômico, somado ao sofrimento humano causado pelas doenças associadas, reforça a urgência de novas abordagens terapêuticas para a doença. Precisamos abandonar pré-conceitos e lidar com a obesidade com a atenção e o cuidado que ela merece”, conclui.